“Desconstruindo Paulo Freire”: uma proposta necessária.
“As
únicas palavras que contam são as pronunciadas tendo em vista a verdade
e não o resultado”. A frase, que subscrevo com entusiasmo, é um
fragmento de uma citação de Louis Lavelle, com a qual o professor de
História e pesquisador Thomas Giulliano inicia o livro que organizou,
Desconstruindo Paulo Freire, em corajoso lançamento independente.
Tamanha
preocupação com a Verdade, acima das conveniências de uma moral
prostituída às ambições políticas e de uma instrumentalização total do
discurso com vistas a atingir o fim revolucionário, é uma característica
meritoriamente oposta ao figurino de personalidades socialistas – como
aquela que é objeto do livro. Assim também a humildade nas pretensões,
deixada clara em outro pequeno comentário, também ao começo da obra:
“Pedimos que você, nosso leitor, tenha paciência com este livro.
Minimize os nossos defeitos, falhas, omissões, lacunas. Ressalte o fato
de que esta obra foi realizada a despeito de toda sorte de obstáculos.
Por último, perceba que este livro é o primeiro do gênero em nosso país.
Dessa forma, mais do que sepultar a discussão, queremos fomentá-la.”
Tal
intenção, estruturada e definida de maneira bastante diplomática – até,
confessamos, um tanto mais diplomática do que é o nosso próprio costume
-, já reveste de nobreza o gesto do organizador e dos seis autores
cujos textos compõem a obra. Se há algo que não combina conosco, é a
iconoclastia; acreditamos na importância de, sem prejuízo da pesquisa
séria e da perquirição honesta pela realidade dos fatos históricos,
construir e cultivar um imaginário calcado em referências de virtude que
constroem a nacionalidade. Haverá sempre algo de simbólico, algo de
narrativo, na visão de um povo ou de um grupo sobre si mesmo.
No
entanto, algumas mitologias construídas para servir a propósitos menos
nobres acabam empobrecendo esses referenciais, amesquinhando o horizonte
moral da sociedade. Não podemos qualificar de outra forma uma
autopercepção nacional que erija a figura de Paulo Freire como herói
icônico e patrono da Educação, com base na narrativa arquitetada pelas
esquerdas no período imediatamente anterior e posterior à
“redemocratização” e durante a preparação de terreno para o ciclo de
poder lulopetista. Desta forma, sempre merecerá nossas palmas e nosso
reconhecimento qualquer iniciativa que se encarregue de demolir – ou,
como é o caso, começar a fazê-lo – um edifício de loas indignas,
mentiras e passionalidades mal dirigidas.
Desconstruindo Paulo
Freire foi pensado como uma espécie de colóquio convertido em livro, em
cujas páginas diferentes autores “lançam” diferentes ângulos do problema
do pedagogo recifense que fez a cabeça dos acadêmicos brasileiros com
obras como Pedagogia do Oprimido e que, por um fenômeno de incessante
cumplicidade ideológica, passou a ser considerado por muitos, mais do
que um gênio em sua área de atuação, quase uma referência inequívoca “do
Bem e do Belo” – a despeito de sua devoção por comunistas e assassinos
como Mao Tse Tung e Che Guevara. É uma obra feita, desde o título, para
incomodar, mas um incômodo que não pretende apenas destruir, como também
suscitar a reorganização, a reconstrução.
O próprio organizador
assina o primeiro capítulo, Paulo Freire: o patrono do pau oco, uma
descrição introdutória e sintética da questão abordada, elencando não
apenas algumas das declarações desavergonhadas de Freire em favor da
tirania marxista-leninista, como as deficiências de sua proposta
didática. Desnuda sua admiração por Lênin e Mao, sua apologia ao
castrismo e sua sustentação empobrecedora da busca política do
igualitarismo mais obtuso através da escola, seu reducionismo de todo
ensino a mero artifício para “emancipar os oprimidos” em uma “revolução”
mal explicada contra os “opressores”.
O segundo texto, A
educação clássica é a opressão da ignorância, assinado pelo professor
Clístenes Hafner Fernandes, desafia a pretensão freireana a depreciar o
patrimônio do ensino clássico e da Tradição, dos quais já brotaram os
grandes pensadores e gênios que nos antecederam, em favor de algo muito
menor: sua febricitante revolução pelo ensino que só tem inspirado,
junto a suas companheiras de “modernidade”, o analfabetismo funcional. É
uma apreciação crítica da velha tentação arrogante de destruir, sem
solidez em construir a substituição.
Apontamentos sobre a
educação bancária, do também professor Rafael Nogueira, tem por
principal propósito demonstrar, na obra de Freire, mais uma ocorrência
da velha máxima do “o que é bom não é novo, e o que é novo não é bom”.
Desde a Paideia socrática até os dias atuais, revela que as preocupações
com uma educação respeitavelmente libertadora, municiando o educando de
instrumentos para lidar com o mundo, não são monopólio de teóricos
militantes como Freire, que a acolhem como retórica para subordinar essa
busca pelo conhecimento a um projeto político. “Talvez seja hora de
reconhecermos que, como educador, ele foi um bom revolucionário”, ele
conclui.
O professor Doutor em Ciências Sociais, Roque Callage
Neto, traz uma comparação entre o pensamento de Freire e o pensamento
construtivista, notadamente na obra de Piaget, sob o título Paulo
Freire: uma teoria e metodologia em educação e sua eventual relação com o
construtivismo. Em seguida, o bravo Percival Puggina, escritor e
cientista político conhecido pelo destemor com que se entrega às
fileiras dos combatentes da liberdade nos dias que correm, produziu O
mundo político de Paulo Freire, dando destaque, assim como o autor que o
segue, o padre Cléber Eduardo dos Santos Dias, em seu ensaio Paulo
Freire: educação popular, religião, teologia da libertação de inspiração
marxista, às afinidades de Freire com a Teologia da Libertação e a
penetração de ideias à esquerda no seio da Igreja Católica,
transplantando suas preocupações com o transcendente a um paradoxal
anseio pelo paraíso terreno.
Puggina encerra seu artigo
lamentando os resultados dessa politização pretensamente “libertadora”
da educação, a fabricar analfabetos funcionais adestrados, em tempos de
profundas discussões sobre a doutrinação ideológica nas escolas e
universidades. O padre, identificando a semelhança de pendores com a
esquerda “católica” que, submetendo o divino ao parâmetro dos
revolucionários materialistas, prostitui sua fé em honra aos tiranos.
Antes
de encerrar, o professor Thomas apresenta também um Apêndice, uma das
melhores ideias que teve para este volume: em resposta às constantes
alegações de que “o pensamento freireano está deslocado de nossos
quadros escolares”, constantemente feita por quem deseja negar sua
parcela de responsabilidade no estado de coisas, ele traz documentos,
entre ementas de cursos em universidades federais e questões de provas
de vestibular, que oferecem prova cabal do contrário. “Volto a repetir”,
ele frisa, “que o fato de sua teoria não ser aplicada sustenta-se na
constatação de sua irracionalidade, conforme eu e os outros autores
analisamos ao longo de todo este livro”.
Uma das melhores
observações feitas no livro, e com ela encerramos, está no artigo do
padre Cléber. Ele pontua que a implantação do Método Paulo Freire em
Guiné-Bissau, já então um regime autoritário de esquerda, foi uma
completa fraude, não tendo sido encontrado nenhum estudante que se
pudesse dizer “funcionalmente alfabetizado”; diante disso, questiona:
“Ou seja, dado que o método não visava (e visa) a uma alfabetização em
si, mas à incitação às mudanças revolucionárias, como aplicá-lo a um
lugar onde a revolução já se instalou e não permite ser questionada?
Freirianos e antifreirianos já se debateram tentando buscar as respostas
para o falhanço daquele que é considerado o método mais perfeito de
alfabetização. Talvez, no dia do juízo final, saberemos a que conclusão
chegaram”.
Parece que o sistema de Paulo Freire, tal como ele é
vaga e confusamente apresentado pelo seu autor, padece do mesmo mal que
acomete todo autoritário, necessitado de um inimigo imaginário para
torpedear enquanto efetiva seus anseios de dominação. Quando a opressão e
a tirania são reais, carece do que se alimentar e perde sua
efetividade. Na contramão dessa dependência pelo palavrório belicista e
um conflito fantasioso, Desconstruindo Paulo Freire inicia um esforço
por desvelar os fundamentos, as verdades, as substâncias, no que
verdadeiramente implica a nobre tarefa da educação. É um trabalho
urgente de arejamento em terreno inóspito e desesperadamente
necessitado. Que frutifique!
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